segunda-feira, 18 de março de 2013

papa renuncia e relampago cai sobre o vaticano



Renúncia de Bento XVI 'cria dilema de legitimidade' para novo papa



 Foto: AFPFoto: AFP

A renúncia de Bento XVI tem gerado questionamentos entre teólogos, sendo que alguns alegam que o agora "papa emérito" não deveria ou mesmo não poderia ter se desligado do pontificado.
De acordo com essa segunda tese, defendida pelo teólogo Enrico Maria Radaelli, quando os cardeais se reunirem para eleger um sucessor estarão, na realidade, elegendo um antipapa - ou um impostor. Não é a primeira vez que esses questionamentos ocorrem.
Bento XVI disse que renunciou porque sentiu que não poderia cumprir com os compromissos de seu cargo - e os mesmos motivos foram alegados em 1294 por Pietro da Morrone, o papa Celestino V, que renunciou apenas seis meses depois de assumir a liderança da Igreja Católica.
Morrone queria voltar a ser ermitão, mas Bonifácio VIII, seu sucessor, achou mais prudente prendê-lo em um castelo para o resto de sua vida, temendo que seus desafetos se reunissem em torno do ex-papa.
E não faltaram desafetos durante o pontificado de Bonifácio VIII. Um dos argumentos levantados por seus inimigos era que papas não poderiam renunciar - então Bonifácio VIII não poderia ser o legítimo herdeiro de São Pedro.
Cisma
Há figuras dentro e fora da Igreja que poderiam explorar tais teorias de ilegitimidade se o novo pontífice começar a tomar um caminho muito diferente de seu antecessor - por exemplo, no que diz respeito ao papel das mulheres na Igreja ou à promoção da tradicional liturgia em latim.
Um exemplo é o do grupo católico dissidente Sociedade de São Pio X.
O grupo esteve à beira de declarar que Bento XVI não era um legítimo sucessor de São Pedro porque ele aceitou os ensinamentos do Concílio Vaticano II, de 1960 - aos quais a Sociedade de São Pio X se opõe.

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Bento 16 trabalhou duro tentando trazê-los de volta para a Igreja Católica - duro demais aos olhos de alguns -, mas não teve sucesso. E a Sociedade de São Pio 10º continua a ser uma Igreja separada, atraindo católicos descontentes. Mais uma divisão dentro do cristianismo.
O colapso dessas negociações, ocorrido pouco tempo antes de Bento 16 anunciar sua renúncia, pode ter contribuído para o seu cansaço.
Uma lição (muito) curta de teologia católica é necessária neste ponto: os postos de padre e bispo são considerados sacramentais, como o batismo ou o casamento.
Um bispo e um padre podem renunciar a seu trabalho, mas, segundo a Igreja, continuam a ser bispos ou padres. O papado, porém, não tem um status sacramental, mas é uma função.
Confusão
O papa é o bispo de Roma. Ele pode deixar essa função (todos os outros bispos devem apresentar sua renúncia aos 75 anos) e, portanto, pode deixar de ser papa. Não há problema nisso.
Muita gente esperava que Bento XVI voltasse a ser o cardeal Joseph Ratzinger após a renúncia - o que aconteceu com dois papas rivais em 1415 (por um período, um cisma na Igreja Católica fez com que houvesse três papas).
Em vez dessa solução sensata, porém, foi anunciado que ele será "Papa emérito", devendo ser chamado de "sua santidade" e podendo se vestir de branco (ainda que tenha de deixar de usar o sapato vermelho dos papas). A decisão cria incertezas, fazendo Bento XVI parecer quase um "papa alternativo".
E a confusão fica ainda pior: Ratzinger vai manter seu secretário particular, o arcebispo Georg Gaenswein, que atualmente também é o "guardião" da casa do papa - embora seja provável que o novo pontífice escolha outra pessoa para a função.
Além disso, o "Papa emérito" vai continuar a viver no Vaticano e o novo papa pode achar a proximidade desconfortável, sentindo-se obrigado a consultá-lo especialmente sobre assuntos que foram importantes durante o seu papado, como a controversa reintrodução do latim na liturgia católica.
Reclusão
Bento XVI diz que passará a viver em reclusão. Ele sempre foi mais feliz com seus livros (e gatos) do que com pessoas, de modo que isso não deve ser um fardo muito pesado.
Ratzinger também pretende escrever. Como papa ele costumava insistir que seus textos teológicos eram uma produção de Joseph Ratzinger, não de Bento XVI, embora seja impossível negar que seu posto à frente da Igreja Católica ajudou a impulsionar as vendas dessas obras.
Talvez não haja alternativa realista à permanência de Ratzinger no Vaticano.
Se ele voltasse para sua amada Regensburg, por exemplo, alguns poderiam tentar processá-lo por não dar tratamento adequado às denúncias de abuso de padres e bispos, enquanto outros poderiam transformar sua residência em um santuário, um ponto de encontro para dissidentes do novo pontífice. Mas certamente há questões legítimas sobre seu título de "Pontífice emérito".
Além das mencionadas acima, tal opção também abre a possibilidade de que Ratzinger, sempre elogiado por sua humildade, seja acusado de deixar-se tomar pela vaidade.
BBCBrasil.com

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